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Brasil ‘não fez dever de casa’ ao tratar da pandemia, aponta debate temático

Um dos autores do requerimento para o debate, o senador Marcelo Castro, que já foi ministro da Saúde, criticou a forma como a pandemia foi tratada no país (Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado)

O Brasil “não fez o dever de casa” ao tratar da pandemia de coronavírus, que chegou ao país em fevereiro de 2020. Essa é a opinião do senador Marcelo Castro (MDB-PI), manifestada na sessão de debate temático do Senado que discutiu o plano de operacionalização da vacina contra a covid-19 do governo federal, nesta quinta-feira (17). Castro é um dos autores do requerimento para o debate, que foi assinado também por senadores como Esperidião Amin (PP-SC), Nelsinho Trad (PSD-MS), e Alessandro Vieira (Cidadania-SE). 

Citando estatísticas da doença, Castro lembrou que somente nesta quarta-feira (16), 968 pessoas morreram no Brasil, número que não inclui o estado de São Paulo, que teve problemas no sistema de computação e informação de dados sobre a doença. Ele enfatizou que o país está “no ponto máximo da pandemia”, tendo ultrapassado a marca de 70 mil novos casos registrados em 24 horas.

O senador disse que os países ocidentais mostraram um desempenho muito pior no enfrentamento da pandemia em relação aos países orientais. O número de mortos para cada milhão de habitantes, por exemplo, chegou a 948 nos Estados Unidos, 862 no Brasil, 908 na França, 1.039 na Espanha e 1.101 na Itália. Em nações do oriente, esses números são muito menores: 21 mortos por milhão de habitantes no Japão, 12 na Coréia do Sul, 3 na China, 0,4 no Vietnã e 0,3 em Taiwan. Para Marcelo Castro, considerando também o número total de casos em cada país, é possível dizer que Estados Unidos e Brasil foram os que fizeram a pior condução dos enfrentamentos à covid-19 no mundo.

— O fato é que nós, em algum momento, não fizemos o dever de casa. Não estou criticando A, B ou C. Mas, se nós somos o segundo país do mundo em número de mortes, e não somos o segundo país do mundo em número de habitantes, evidentemente não tratamos este problema com a gravidade, com a seriedade, com a urgência com que ele precisaria ter sido cuidado. Não estou aqui jogando pedra em ninguém, nem acusando ninguém, estou constatando fatos. 

Lançado pelo governo federal na quarta-feira (16), o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 é um documento de 100 páginas. De acordo com o Executivo, a primeira fase da campanha tem o objetivo de esclarecer a população sobre a importância da imunização, reforçando que as autoridades sanitárias estão tomando todas as medidas necessárias para garantir a segurança dos brasileiros que receberem a vacina. Castro, que é médico, reconheceu que o Brasil é exitoso na área de imunização. Mas lamentou o fato de alguns países já estarem vacinando a população, enquanto os brasileiros ainda não começaram a ser protegidos. 

— Nós aqui [no Brasil], infelizmente, ainda estamos envoltos em questões filosóficas, ideológicas, religiosas, morais, se a vacina deve ser obrigatória, se não deve ser, se precisa assinar um termo de responsabilidade, se não, quando os outros países já estão tomando as providências para serem vacinados. 

Registro

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ressaltou no debate virtual que ainda não há registro no mundo de nenhuma vacina, por nenhum laboratório, contra a covid-19. Segundo ele, somente há autorizações provisórias para a Pfizer, na Inglaterra e nos Estados Unidos, com números efetivos de 20 mil vacinados por dia, e “não são 2 bilhões”, conforme afirmou, como tem sido divulgado. O ministro explicou que a autorização emergencial não é o registro, por não estar concluído o trabalho de testagem em todas as etapas, e afirmou que esse processo precisa ser feito, primeiramente, para um grupo restrito e voluntário. 

— É assim que funciona na Inglaterra, não é uma invenção do governo brasileiro ou da Anvisa. Todos os ingleses que recebem a vacina nesse caráter de uso emergencial, em que não há registro, são voluntários e assinam termos de consentimento. A imprensa, às vezes, pega uma frase aqui, outra ali, e não tem a profundidade exata da coisa. Quando se fala de voluntário e consentimento é para antes do registro, antes da comprovação da eficácia e da segurança, ainda nas fases de teste — explicou. 

Pazuello informou que três grandes laboratórios vão disponibilizar a vacina ao Brasil em janeiro, sendo: 500 mil doses da Pfizer, 9 milhões de doses do Butantan e 15 milhões de doses da AstraZeneca/Fiocruz. A data exata, no entanto, dependerá do registro pela Anvisa. 

— Se nós somarmos esses três números, vamos ter 24,7 milhões de doses em janeiro. Para fevereiro, repete-se a Pfizer, aumenta-se o Butantan para 22 milhões e mantém-se a AstraZeneca com 15,2 milhões. Vamos, então, para 37,7 milhões de doses. Em março, outras 31 milhões de doses; a partir daí, equilibra-se o número. Nós temos tratado, além da AstraZeneca, com 100 milhões de doses no primeiro semestre, e a produção de 20 milhões de doses por mês a partir de julho, já com a nossa tecnologia, o que dá 220 milhões de doses só com a AstraZeneca. Nós temos, com o Butantan, o primeiro lote de 46 milhões de doses. Repito, convênio assinado há mais de 60, 70 dias. 

Plano nacional

O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros, afirmou que plano lançado pelo governo vai ajudar a estabelecer ações estratégicas para a vacina no Brasil, com a definição de grupos prioritários, programação e operacionalização nas esferas municipal, estadual e no Distrito Federal. De acordo com o secretário, o plano foi construído em conjunto com a sociedade civil e está dividido em eixos como monitoramento, supervisão e avaliação. Medeiros afirmou que, além de conferir proteção contra a doença, a vacina precisa ter comprovada sua eficácia e segurança de uso em todas as faixas etárias e grupos populacionais. 

— E, no mundo ideal, apresentar também uma tecnologia de baixo custo de produção, porque, pelo óbvio, teria maior capacidade de distribuição e de acesso a toda a população de maneira mais rápida. Estamos falando de um programa nacional de imunização que cobre 8,5 milhões de quilômetros quadrados, em 27 unidades federadas; um programa que cobre 5.570 municípios e que avalia 212 milhões de brasileiros. Temos 38 mil salas de vacina, que, em épocas de campanha, podem chegar a 50 mil postos, com 52 centros de referência de imunobiológicos especiais, porque a ideia é imunizar a população brasileira como um todo. 

Amin considerou o plano nacional de operacionalização da vacinação contra a covid “uma resposta importante”. Além disso, ele destacou a relevância do debate temático, realizado um dia depois do lançamento do programa. Para o senador, os brasileiros precisam de irmandade, deixando as divergências e peculiaridades de lado, a fim de que o país se torne “campeão da capacidade de desenvolver e concretizar um plano nacional de vacinação, assim como fazemos há tantos anos”. 

— O meu estado, Santa Catarina, tem 40 anos de experiência em vacinação contra a poliomielite. Fomos visitados pelo Albert Sabin, em 1980, e hoje estamos conseguindo na vacinação índices menores do que os de 40 anos passados. Então, nós temos a capacidade, mas temos que nos mobilizar e nos conscientizar, e o sentido desta reunião é nos imanarmos para preencher aquelas omissões que ainda existem. 

Informações científicas

O senador Marcelo Castro, que foi ministro da Saúde, explicou que, quando um medicamento novo ou uma vacina vai ser lançada no mercado, ela precisa cumprir um protocolo internacional aceito por todas as agências reguladoras do mundo. Segundo o senador, primeiro esse medicamento é testado in vitro e, se for eficaz, passa a ser experimentado em pequenos animais. Caso o produto se mostre efetivo, ele é testado em primatas. De acordo com Castro, os passos seguintes são a aplicação em um número restrito de pessoas, o aumento para um número maior de voluntários e, em seguida, na fase três, em milhares de pessoas. 

O vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Marco Krieger, observou que nem todas as informações sobre as diferentes vacinas contra o coronavírus estão disponíveis. De acordo com ele, os especialistas têm recorrido a publicações científicas, que são revisadas pelos pares e também por pessoas independentes e isentas que, muitas vezes, segundo informou, reprovam esses dados. Krieger destacou ainda que a falta de informações de aspectos técnicos traz dificuldades às autoridades na tomada das decisões. 

— [A covid-19] é uma doença que agora está fazendo seu primeiro aniversário, tínhamos lacuna de conhecimento, mas precisávamos acelerar, de forma inédita, a pesquisa, o desenvolvimento tecnológico, os ensaios clínicos, mas fazendo isso com a segurança do que é necessário para qualquer produto para uso em saúde e também com uma questão muito importante que era nos prepararmos para a produção, mesmo antes de termos um produto. Estávamos desde maio imaginando o cenário que iríamos viver nos próximos meses. Termos obtido sucesso nesse desenvolvimento tecnológico não significa que tenhamos bilhões de doses de vacinas disponíveis para que a humanidade possa utilizar para esse enfrentamento — analisou. 

Coordenação

O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Carlos Eduardo de Oliveira Lula, defendeu a nomeação de uma coordenação nacional no enfrentamento da pandemia e no instante da vacinação contra a doença, com o intuito de minimizar as desigualdades. Para ele, é fundamental que todas as cidades iniciem o processo de imunização contra a covid-19 simultaneamente. 

— Se nesse momento a gente passasse a ter estados com programas em paralelo, municípios com programas em paralelo, cada um com um plano de vacina a um tempo, Estados começando a vacinação em momentos diversos, a gente correria o risco de ter uma perspectiva muito pior, que seria a gente ter uma guerra de todos contra todos. 

Vice-presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Cristiane Martins Pantaleão ressaltou a necessidade de a população já ir procurando as unidades de saúde para fazer a revisão do cadastro. Atualmente, esse número chega a cerca de 122 milhões de pessoas, segundo afirmou. A debatedora defendeu uma organização da distribuição das vacinas que facilite o manuseio no instante em que o produto chegar aos municípios. Para Cristiane, também é fundamental um sistema de informação que não gere empecilhos ao momento da vacinação, evitando demoras nas filas. 

— Por isso, a gente vem discutindo, de uma maneira bem próxima do Ministério [da Saúde], para que a gente consiga organizar um sistema de informação para facilitar a vacinação na ponta, para que esse não seja um problema na hora vacinação em si. Uma das ideias, inclusive — a gente sabe que há uma possibilidade de virem várias vacinas —, é que a gente consiga colocar por cores, porque é difícil, na hora da vacinação, a pessoa conseguir identificar de que laboratório é a vacina que tomou, porque, dependendo da vacina, vai haver um tempo, um prazo entre a primeira e a segunda doses. Portanto, buscamos ferramentas que facilitem a organização disso na ponta. A gente está fazendo todas essas discussões para facilitar. 

Para a senadora Leila Barros (PSB-DF), que presidiu a sessão temática, o país está “numa corrida para salvar vidas”, em que decisões ágeis e eficazes podem evitar inúmeras mortes. Ela defendeu que o debate sobre a vacina seja responsável e construtivo, com vistas a permitir também a retomada segura da economia nacional. E pediu que todas as decisões sobre o Plano Nacional de Vacinação sejam pautadas pela ciência e por critérios técnicos. 

— É nossa obrigação, como representantes do povo, minorar esse sofrimento, criando as condições para que vacinas seguras e eficazes cheguem a todos os municípios. Nossa maior arma é implementar esse plano com a maior urgência possível, priorizando a saúde de nossa população e deixando de lado questões político-partidárias, eleitorais ou ideológicas.

Fonte: Agência Senado

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