Não é novidade para ninguém que o crescimento de um país passa em primeiro lugar pelo seu sistema educacional. A formação das pessoas é que gera desenvolvimento posterior, nesta perspectiva podemos afirmar que todo dinheiro destinado a educação não se trata de um gasto, mas sim de um investimento.
No Brasil a educação não anda “bem das pernas” há um bom tempo. Isso se deve por uma serie de fatores. Muitos reclamam dos investimentos alegam que a educação não é prioridade ou tem prioridades erradas dentro do sistema, no qual durante as últimas décadas se privilegiou o ensino superior deixando um pouco de lado o ensino básico.
É óbvio que o investimento ou a falta dele tem impactos nos resultados, no entanto, a educação no Brasil enfrenta problemas maiores do que a carência de investimentos. O Brasil investe proporcionalmente (percentual do PIB) em educação mais do que países desenvolvidos, mas infelizmente os investimentos não se traduzem em resultados.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o Brasil vem em uma crescente melhora nos investimentos na área de educação passando de 3,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2000 para os atuais 6%, a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) é alcançar um investimento 10% do PIB até 2024, meta essa astronômica. Nenhum país do mundo investe um percentual tão alto do seu PIB em educação, se é que o Brasil vai conseguir cumprir tal meta, esta seria uma quantia estratosférica. Para efeito de comparação o Japão investe apenas 3,3% do seu PIB em educação, Alemanha 4,4%, Coréia do Sul 4,6% e EUA 5,5% (Dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico “OCDE”), ou seja, alguns países do chamado primeiro mundo tem um investimento proporcionalmente menor em relação ao PIB investidos em educação do que o Brasil, em contrapartida tem um retorno infinitamente superior, o que deixa claro que a raiz do baixo rendimento do estudante brasileiro não se deve diretamente à questão dos recursos financeiros.
Dos países citados o Japão é o que tem o menor percentual do PIB endereçados à educação, mas o mesmo está entre as primeiras colocações na avaliação do Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes na sigla em inglês Programme for International Student Assessment (PISA). O último relatório do PISA que avaliou os resultados de 2018 foi extremamente vergonhoso para o nosso país, o Brasil amargou a 63º colocação o resultado, por área foi 57º em leitura, 66º em ciências e 70° em matemática, lembrando que participaram do PISA apenas 77 países sendo assim o Brasil figurou entre os últimos considerado a quantidade de países avaliados, o PISA é coordenado pela OCDE e no Brasil o INEP é responsável pela avaliação. Entre os países da América do Sul o Brasil ficou atrás de Uruguai, Colômbia, Chile e Argentina. Lembrando que todos esses países investem proporcionalmente menos em educação do que o Brasil, porém seus resultados são superiores aos nossos.
Quem trabalha na área educacional tem percebido a constante queda no desempenho dos alunos. Ano após ano é perceptível a queda no rendimento. Os alunos apenas concluem as etapas do ensino, porém sem a qualificação necessária, muitos terminam o ensino médio sem se quer ter noções básicas de matemática e redação, se falar em atualidades, os alunos “não sabem nem que dia é hoje”, geografia então nem se fala não sabem se quer ler um mapa simples, vamos para por aqui nas disciplinas para não complicar mais ainda.
Os profissionais de Recursos Humanos (RH) ou Gestão de Pessoas como se diz em termos mais atuais estão vivendo dias difíceis, pois está cada vez mais difícil recrutar um funcionário para as empresas em que eles atuam porque tamanha é a falta de qualificação, lembrando que não é a falta de diplomas em si, mas a qualidade técnica compatível com a escolarização apresentada no currículo, já que atualmente é comum se privilegiar a aprovação em vez de priorizar o conhecimento, o conhecimento fica em segundo plano, o que interessa mesmo é ter o “papel”, o diploma virou um obsessão, não que o diploma não seja importante, mas o mesmo perde o valor quando não é acompanhado da qualificação específica.
Diante dos dados e fatos apresentados fica fácil deduzir que o montante investido é importante, mas não é fator determinante para a qualidade do ensino, se assim fosse o Brasil estaria “nas cabeças” na avaliação do PISA, mas é justamente o contrário o Brasil está é na “rabada”, amargando as últimas posições e por pouco não segurando a lanterna.
Qual seria então a razão do baixo rendimento dos estudantes brasileiros? É óbvio que não existe uma resposta pronta para essa questão e é claro que não existe um único problema, como também não existe uma solução mágica e por fim não é minha intenção colocar uma razão dogmática como a causadora de todos os problemas educacionais brasileiros, mas certamente vou apresentar um motivo que é notório, e é do conhecimento de todos, sobretudo dos profissionais da educação.
Temos um problema crônico na educação brasileira que é a questão ideológica, criou-se ao longo dos anos uma cultura de “não-reprovação”, aliás, até o termo reprovação em algumas regiões do Brasil não é permitido por ser considerado ofensivo. Essa cultura do “coitadinho do menininho” foi amplamente disseminada nas escolas e hoje a aprovação é “quase automática” e por diversas razões como por exemplo: o aluno veio de longe, tem dificuldades financeiras e assim por diante, assim diversos motivos são apresentados para justificar uma aprovação que na maioria esmagadora dos casos são aprovações sem a devida competência técnica, não estou falando em dificuldades estou falando de completa falta do conhecimento adequado a série que o mesmo está sendo promovido, a aprovação deixou de ser condicionada ao conhecimento e passou a ser condicionada a questão social, porque no final o que importa de fato são os índices, esses precisam ser perseguidos e alcançados a qualquer custo, quanto ao conhecimento, o mesmo perdeu em certa medida a sua importância.
Esta aprovação “quase automática” é baseada no que conhecemos formalmente como progressão continuada, o sistema pressupõe que o estudante deve obter as competências e habilidades em um ciclo, que é mais longo que um ano ou uma série. Nesse sistema de ciclos, não está previsto a reprovação, mas a recuperação, por aulas de reforço. Aulas de reforço que geralmente não acontecem e quando acontecem a frequência é baixíssima. O objetivo é regularizar o fluxo de alunos ao longo dos anos de escola, para superar o fracasso das altas taxas de reprovação.
A ideia é que com isso, os alunos tenham acesso ao estudo, sem repetências ou interrupções que criariam desânimo e/ou prejudiquem o aprendizado. A ideia em si mesma é fantástica, do ponto de vista filosófico, tudo é romântico e bem intencionado, mas se tornou um grande desastre na prática porque no final das contas o nosso sistema educacional ainda é trabalhado em séries e não necessariamente em ciclos, apesar dos ciclos existirem formalmente, fundamental I, II e Ensino Médio, mas a realidade prática é um trabalho por série no período de um ano letivo e determinados conteúdos se deixados para trás não serão recuperados na série seguinte mesmo que esta seja do mesmo ciclo, muito pelo contrário para avançar em determinada série o aluno precisa do conhecimento da série anterior, sobretudo em alguns componentes curriculares específicos.
Desde o meado da década de 1980, mas precisamente em 1984 a Organização das Nações Unidas para a Ciência a Educação e a Cultura (UNESCO), criou um programa de auxílio para a erradicação mundial do analfabetismo, este programa distribuía recursos para que os países trabalhassem o fim do analfabetismo, por 10 anos o Brasil recebeu uma boa quantia, esse ciclo de 10 anos foi encerrado em 1994, a fase dois do projeto da UNESCO condicionava os repasses de dinheiro à apresentação pelos governos de dados estatísticos que comprovadamente mostrassem um avanço nos sistemas de ensino público do país, aumento de crianças na primeira série, médias de notas adequadas, diminuição na porcentagem de repetências, evasão de alunos e por aí vai. Ai entrou em cena de forma implícita a tal da progressão continuada que como em um passe de mágica elevou os índices da educação para as alturas, mas a qualidade já não era mais a mesma e a cada ano é notório a queda na qualidade e nos resultados efetivos, temos índices, mas não temos realidade, a educação no Brasil passou a ser uma grande mentira, estamos apenas multiplicando o número de analfabetos funcionais.
Para fins de esclarecimento o analfabetismo funcional é a incapacidade que uma pessoa demonstra ao não compreender textos simples. Tais pessoas, mesmo capacitadas a decodificar minimamente as letras, geralmente frases, textos curtos e os números, não desenvolvem habilidade de interpretação de textos e de fazer operações matemáticas.
O Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa divulgaram resultado de uma pesquisa de 2018 no qual afirmam que 33% dos alunos que concluíram o ensino fundamental são analfabetos funcionais, já no ensino médio esse número é de 14%. Os dados do IBGE são ainda piores em pesquisa também de 2018 o instituto afirma que 70% dos brasileiros acima de 15 anos são analfabetos funcionais. Segue agora dados do Observatório do Plano Nacional da Educação (OPNE). Considerando a população que concluiu até o 5º ano do Ensino Fundamental, 78% dos jovens são considerados analfabetos funcionais. Na população que concluiu os Anos Finais do Ensino Fundamental, essa taxa foi de 34%. Para a população que concluiu o Ensino Médio, a porcentagem atingiu 12% em 2018, enquanto 4% daqueles que chegaram ao ensino superior são considerados analfabetos funcionais taxa alta para alunos universitários que nesta fase do ensino deveria ser zero.
Estes são os efeitos colaterais da aprovação sem critério técnico, nenhuma escola ou secretaria de educação no Brasil admite que exista um sistema que força a aprovação, mas quem está na linha de frente sabe muito bem do que estou falando, professores são constantemente e implicitamente “constrangidos” a aprovar em massa, não há uma ordem direta, mas o próprio sistema nos leva a isso. Sistemas com sucessivos programas de reavaliações e recuperações que oficialmente alegam ser para melhorar o aprendizado, mas todos sabem que na prática a intenção é apenas melhorar os índices. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEP) é o alvo e deve ser perseguido e alcançado a qualquer custo, a escola precisa dar resultados e os diretores sofrem poucas e boas nas mãos das secretarias para conseguir cumprir as metas.
Para concluir ficou claro a que a necessidade maior é de uma estruturação no modelo e não necessariamente nos recursos financeiros, embora esses sejam importantes e necessite em certa medida de ampliação em algumas ocasiões e regiões específicas.
Não estou aqui de maneira alguma apresentando formalmente um culpado até porque não há um único culpado, o que existe é uma sucessão de erros que se sucederam sucessivamente, agora estamos diante de um problema que precisa ser resolvido e para isso precisamos começar a fazer alguma coisa e traçar estratégias de longo prazo. Este é um grande problema de solução difícil e de longo prazo, a estimativa é que precisaremos de no mínimo umas duas décadas para entrar novamente nos eixos e voltar a trabalhar com qualidade do ensino e não apenas com dados estatísticos artificiais. Para isso é necessário iniciar tal reestruturação desde a base (Educação infantil) e ir gradativamente escalonando até chegar ao ensino superior, o problema é que existe uma influência política envolvida e ao que parece investir em universidades rende mais votos do que em educação básica.
Por Reinaldo Valverde Pereira, Licenciado em História e Bacharel em Teologia, pós-graduado em Metodologias EAD e Docência no Ensino Superior, atua como professor da rede estadual da Bahia e Sergipe.
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