A atuação temporária de Elizeta Ramos na liderança da Procuradoria-Geral da República (PGR) está impactando diretamente nas investigações em andamento envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro.
O subprocurador Carlos Frederico Santos, encarregado dos inquéritos relacionados a Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), optou por divergir da abordagem adotada pela PGR durante a gestão de Augusto Aras. Nessa perspectiva, destaca-se a conclusão de que o STF não é o foro competente para investigar tanto o caso das joias quanto a fraude na carteira de vacinação de Bolsonaro.
Essa argumentação, sustentada pela subprocuradora Lindôra Araújo, que é próxima de Aras, foi a base utilizada por Bolsonaro e pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro para se absterem de prestar depoimentos à Polícia Federal em agosto deste ano.
Naquela situação, a defesa do clã Bolsonaro argumentou que a PGR, sob a liderança de Aras, manifestou o entendimento de que o caso das joias não deveria ser conduzido no Supremo, uma vez que o ex-presidente não detém mais a prerrogativa de foro, tendo deixado o cargo. Dessa forma, Bolsonaro e Michelle justificaram que só prestariam esclarecimentos perante a jurisdição apropriada.
Com o término da administração de Aras, contudo, a postura da PGR passou por alterações. “É prematuro no momento falar em declínio (de competência). Devemos esgotar as investigações”, declarou Carlos Frederico à equipe do jornal. Ele assumiu os casos contra o ex-presidente, sucedendo Lindôra.
Como coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos (GCAA), ele monitora de perto não apenas as investigações relacionadas aos eventos antidemocráticos de 8 de Janeiro, mas também os desdobramentos da delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o caso das joias sauditas de alto valor e a apuração referente à possível fraude na carteira de vacinação do ex-ocupante do Palácio do Planalto.
O subprocurador informou ao blog que já expressou suas posições nos documentos processuais e não contestou a competência, ao contrário do que Lindôra vinha fazendo. “Tenho como prematuro tomar posição sobre isso no atual estágio da investigação. Pode ser importante para o conjunto probatório (manter no STF)”, explicou.
Outro elemento que pode fortalecer a argumentação pela continuidade das investigações no Supremo é a delação premiada de Mauro Cid, que também está sob a jurisdição do STF. Nos vários anexos de sua delação, são apresentados detalhes que têm potencial para contribuir significativamente com as apurações em andamento.
Na semana passada, a declaração de Carlos Frederico de que a delação de Mauro Cid “é fraca” gerou descontentamento tanto na Polícia Federal quanto no ministro Alexandre de Moraes. Este último já teve desavenças públicas não apenas com Bolsonaro, mas também com a PGR de Augusto Aras ao longo dos últimos anos.
Em uma entrevista ao portal Metrópoles no final de agosto, Aras mencionou a possibilidade de o plenário do Supremo anular as decisões de Moraes no caso das joias caso este fosse considerado incompetente pelos colegas para relatar o processo. A recente mudança na postura da PGR parece afastar esse cenário de risco.
Moraes tem se esforçado para exercer influência na sucessão da PGR, trabalhando nos bastidores para promover o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, que conta também com o apoio do ministro Gilmar Mendes.
O mandato de Augusto Aras encerrou-se em 26 de setembro. Desde então, a procuradora-geral da República interina, Elizeta Ramos, implementou algumas medidas para diferenciar sua gestão da conturbada administração de seu antecessor.
Elizeta removeu Lindôra da vice-procuradoria-geral da República, nomeando Ana Borges como sua substituta. Ana Borges possui especialização em direitos sociais, do consumidor e na área ambiental, além de ser casada com Carlos Frederico há 34 anos.
Outra distinção em relação à sua antecessora é que Ana Borges é reconhecida por adotar uma postura independente e “de centro”, ao contrário de Lindôra, que se alinhou aos interesses da família Bolsonaro em investigações como a das joias sauditas.
Conforme relatado pela equipe da coluna, no círculo próximo de Bolsonaro, a mudança no comando da chefia do Ministério Público Federal estava sendo aguardada com preocupação devido aos possíveis desdobramentos em várias frentes de investigação que têm pressionado o ex-presidente.
Um dos receios é que um novo Procurador-Geral da República alinhado a Lula possa apresentar uma denúncia contra Bolsonaro, abrindo caminho para sua prisão.
Fonte: O Globo