Foram anos afastado da vida pública, com uma atuação política intensa, mas restrita aos bastidores do PT. Agora, José Dirceu decidiu voltar ao debate público. Ex-ministro da Casa Civil e o segundo maior líder da história do PT, atrás apenas de Lula, Dirceu tem dado entrevistas, escrito artigos em jornais, participado de lives e marcado presença em eventos da esquerda.
Aliados de Dirceu e lideranças petistas avaliam que o movimento é impulsionado por um interesse do ex-ministro em contribuir com o debate das ideias, mas também cumpre outros dois objetivos: tentar recuperar a própria biografia e preparar o terreno para uma eventual candidatura à Câmara dos Deputados em 2026.
Processos na justiça
Em janeiro, a defesa de Dirceu, liderada pelo advogado criminalista Roberto Podval, apresentou uma petição ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes para reverter duas condenações no âmbito da Lava Jato. A alegação é parecida com a utilizada pelos defensores de Lula para anular os processos do presidente: de que há provas suficientes que demonstram que Sergio Moro e Deltan Dallangol não tinham isenção para investigar e julgar Dirceu e que agiram politicamente para perseguir o ex-ministro.
A defesa de Dirceu tem grande expectativa na anulação dos processos. Caso isso se confirme, ele recupera os direitos políticos e pode se candidatar em 2026. Em entrevista ao programa “Diálogos com Mario Sergio Conti”, na Globonews, o petista não descartou uma candidatura, mas afirmou que essa decisão caberá ao PT e à Lula.
“Numa situação como a de hoje, ele teria muito a acrescentar. Ele seria um líder natural na Câmara”, afirma o deputado estadual Emidio de Souza (PT-SP), quadro influente no partido e um dos melhores amigos de Lula.
Entre as lideranças do PT, é praticamente unânime a opinião de que Dirceu tem muito a contribuir com os rumos do governo e do partido em função de sua trajetória e sua capacidade de análise da conjuntura.
Um deputado, de forma reservada, afirmou ao blog que a volta do ex-ministro traz alguns “fantasmas do passado”. “Ele errou muito. Para os bolsonaristas, [a volta dele] será um prato cheio.”
Ausência de formuladores
O retorno de Dirceu ao debate público ocorre num momento em que o governo é questionado, dentro do próprio campo de esquerda, pela ausência de formuladores e estrategistas de peso. O presidente se cercou de ministros mais novos. Poucos quadros da geração de Lula e Dirceu ocupam postos de peso no governo.
Segundo aliados do presidente e do ex-ministros, os dois conversam raramente, em datas comemorativas, e não costumam tratar de política. Ou seja, a ideia de que Dirceu é um conselheiro atuante, influenciando as decisões do governo, é um mito, de acordo com os petistas.
Aproximação com Haddad
Por outro lado, Dirceu se aproximou bastante do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com quem tem conversas frequentes. A última vez que se encontram foi na sexta-feira (26), em São Paulo. Haddad recebeu Dirceu em sua casa no Planalto Paulista, Zona Sul da capital paulista, e precisou antecipar o horário de uma agenda pública para se encontrar com o ex-ministro.
Dirceu faz elogios frequentes à condução da política econômica e à aprovação de projetos de Haddad no Congresso, como a tributação das offshores. Já o ministro nutre grande admiração Dirceu pela capacidade de análise de conjuntura e pelo conhecimento da realidade brasileira.
Haddad costuma ser comparado a Antonio Palocci – ministro da Fazenda no primeiro governo de Lula – pela forma pragmática como conduz a política econômica. Para um interlocutor do ministro, no entanto, ele “é mais Zé Dirceu do que Palocci” porque tem demonstrado verdadeira obsessão em analisar a correlação de forças na sociedade antes de tomar suas decisões.
Declarações repercutem
Recentemente, Dirceu afirmou que o PT deveria endossar a política econômica de Haddad. Muitos interpretaram como uma crítica à deputada federal Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, que costuma fazer contrapontos a uma agenda mais liberal de Haddad. Dirceu nega que tenha sido um recado específico a Gleisi e sustenta que foi mais uma reflexão para o partido.
Ainda segundo aliados, o ex-ministro tem sido cuidadoso com as palavras para não “melindrar” Lula ou integrantes da atual direção do PT. Mesmo assim, algumas declarações causam certo estranhamento, como, por exemplo, quando Dirceu defende uma renovação do partido ou afirma que o PT precisa se reconectar com as bases.
O ex-ministro tem insistido que a extrema-direita e o conservadorismo são hegemônicos hoje no mundo todo. Ele avalia que o PT e a esquerda, sozinhos, não têm condições de enfrentar esse processo e que é preciso fortalecer a frente ampla com partidos de centro, centro-direita e com parcelas do empresariado.
“A conjuntura que vivemos é desafiadora. Não surgiu ninguém à altura do Zé Dirceu na capacidade de análise política. O PT sente falta da capacidade política dele”, afirma Emidio de Souza.