Janja da Silva afirmou em entrevista à BBC, grupo de notícias britânico, que desde a campanha eleitoral do marido, o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tinha o desejo de remodelar o papel de primeira-dama. Ela explica que queria deixar para trás o dever de ser anfitriã de eventos de caridade e visitas a instituições filantrópicas para a função de “articuladora” política.
“Desde a campanha, tenho dito que queria remodelar esse papel de primeira-dama – a esposa que hospeda chás de caridade e visita instituições filantrópicas, esse não é o meu perfil. (…) O meu é o papel de articuladora, que fala sobre política pública. Podemos estar em espaços diferentes e falar com públicos diferentes quando necessário”, pontuou.
Janja também comentou sobre as críticas que recebeu ao fazer uma visita, sem a companhia de Lula, às comunidades afetadas por enchentes no Rio Grande do Sul. A principal crítica foi a de que ela não foi eleita e, por isso, não poderia representar o presidente. Segundo Janja, ela ficou “chocada” que no século XXI as pessoas ainda discutam sobre o que uma primeira-dama poderia fazer.
“[Lula] me dá total autonomia para que eu possa fazer o que faço. Essa linha de hierarquia não existe entre mim e meu marido”, disse à BBC. “Trata-se de sair da caixa em que as primeiras-damas são sempre colocadas. Trata-se de não ter essa caixa. Ela pode fazer o que quiser”.
A reportagem da BBC, divulgada neste domingo (14), tratou sobre a mudança do papel das primeiras-damas na política na América Latina. O artigo lembra, por exemplo, que Eva Perón (Evita), mulher do ex-presidente da Argentina Juan Domingo Perón, foi uma das vozes políticas mais influentes daquele país. Recentemente, Irina Karamanos, então namorada do presidente do Chile, Gabriel Boric, renunciou ao título.
Ao se colocar como peça do jogo político do país, Janja virou alvo de ataques
No Brasil, a atuação da primeira-dama Janja da Silva chamou a atenção não só da oposição ao governo do presidente, de quem se tornou alvo, como também dentro do próprio Palácio do Planalto. Sua participação em reuniões estratégicas do primeiro escalão e o seu papel na comunicação governamental representaram uma ruptura em relação ao perfil historicamente reservado associado a essa posição.
Janja, além de se posicionar em questões de gênero e opinar nas decisões de Lula, como ele próprio admitiu, focou em conectar-se com as chamadas pautas progressistas, com influenciadores digitais e também figuras culturais. Embora tal estratégia tenha provocado reações adversas, essa estratégia ajudou a torná-la protagonista.
Enfrentando críticas e hostilidades, suas posturas políticas foram intensamente questionadas. E, apesar dos esforços de se sedimentar como uma liderança feminina na política e uma primeira-dama ousada e do palanque, Janja frequentemente se vê alvo de comparações com a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, e vice-versa.
Excessos de Janja?
Embora tenha uma presença marcante nas redes sociais, esses canais se tornaram um ponto delicado para Janja da Silva. Seu estilo, em algumas ocasiões, é percebido como “inadequado” e que ultrapassa certos limites.
Um episódio recente ilustra essa situação: um vídeo postado por Janja ao chegar em Nova Délhi, em seus stories no Instagram, foi rapidamente removido após receber críticas. Nele, Janja afirmava: “Me segura que eu já vou sair dançando”.
O incidente, em 8 de setembro, ocorreu em meio a um ciclone extratropical que causou mortes no Rio Grande do Sul. Na ocasião, a primeira-dama acompanhou o presidente em uma agenda na Índia durante a Cúpula do G20.
Também durante o G20, Janja foi a única entre os cônjuges de líderes de 18 países e da União Europeia a participar das sessões de negociações, as quais foram fechadas ao público e à imprensa.
Em uma conferência eleitoral do PT, Janja respondeu às críticas: “Eu estava em uma reunião no G20 e todos ficam perguntando: ‘O que ela está fazendo lá com o presidente? Ela não foi eleita’. Dane-se, estarei sempre presente. Ninguém me concedeu aquele lugar. Eu o conquistei”.
Em novembro, outra polêmica em função de suas falas. Em entrevista ao jornal O Globo, ela disse que desejava ter um gabinete próprio no Palácio do Planalto, onde seu marido despacha com auxiliares. “Nos EUA, a primeira-dama tem. Tem também agenda, protagonismo, e ninguém questiona. Por que se questiona no Brasil?”, justificou.