Bolsonaro liderou tentativa de golpe de Estado e sabia de plano para matar Lula, diz PF

A Polícia Federal apontou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como líder da organização criminosa que planejou um golpe de Estado para mantê-lo no poder após a derrota nas eleições de 2022.

A informação faz parte de relatório entregue pela PF ao Supremo Tribunal Federal (STF) cujo sigilo foi retirado nesta terça-feira (26/11) que indicia o ex-presidente e mais 36 pessoas por três crimes: tentativa de golpe de Estado, abolição do Estado democrático de direito e organização criminosa.

Segundo a PF, o golpe planejado por Bolsonaro só não se concretizou por “circunstâncias alheias à sua vontade”.

A BBC News Brasil procurou a defesa de Bolsonaro e solicitou um posicionamento do ex-presidente, mas nenhuma resposta foi enviada até o momento.

“Os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito”, diz o relatório.

Em outro ponto do documento, a PF descreve o suposto papel de liderança de Bolsonaro sobre a organização.

“O arcabouço probatório colhido indica que o grupo investigado, liderado por Jair Messias Bolsonaro, à época presidente da República, criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do País desde o ano de 2019, com o objetivo de sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral”, diz outro trecho do relatório.

Segundo a PF, essa narrativa tinha dois objetivos.

“Primeiro, não ser interpretada como um possível ato casuístico em caso de derrota eleitoral e, segundo e mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato Jair Bolsonaro no pleito de 2022”, complementa o documento.

O documento também diz que Bolsonaro teria tido conhecimento do plano elaborado por aliados com o objetivo de assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). O plano, segundo a PF, foi batizado de “Operação Punhal Verde e Amarelo”. Na semana passada, a polícia deflagrou uma operação sobre o caso.

“As evidências colhidas, tais como os registros de entrada e saída de visitantes do Palácio do Alvorada, conteúdo de diálogos entre interlocutores de seu núcleo próximo, análise de ERBs (antenas de telefonia celular), datas e locais de reuniões, indicam que Jair Bolsonaro tinha pleno conhecimento do planejamento operacional (Punhal Verde e Amarelo), bem como das ações clandestinas praticadas sob o codinome Copa 2022”, diz o relatório.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou o sigilo da investigação da Polícia Federal (PF) que acusou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros 36 investigados de tentativa de golpe de Estado e organização criminosa.

Na decisão, o ministro determinou o envio do relatório da PF para análise da Procuradoria-Geral da República.

O ministro manteve, no entanto, o sigilo sobre a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e braço direito de Bolsonaro, que fez um acordo de delação premiada no inquérito que investiga uma suposta tentativa de anular o resultado das eleições de 2022.

Moraes também concedeu acesso ao documento aos acusados que pediram vistas, como os generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto, ambos ex-ministros de Bolsonaro, além do ex-presidente.

De acordo com o relatório da PF “apurou-se a constituição de uma organização criminosa, com seus integrantes atuando, mediante divisão de tarefas, com o fim de obtenção de vantagem consistente em tentar manter o então Presidente da República Jair Bolsonaro no poder, a partir da consumação de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito, restringindo o exercício do Poder Judiciário e impedindo a posse do então presidente da república eleito”.

A PF apurou que os investigados teriam planejado matar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes.

“O grupo investigado criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do país”, acrescenta o relatório.

Os investigados negam as acusações. Nesta segunda-feira (25/11), após desembarcar no Aeroporto de Brasília, Bolsonaro falou com a imprensa e negou qualquer participação no plano de golpe. Na ocasião, ele reafirmou que “jamais faria algo fora das quatro linhas” da Constituição.

“Ninguém vai dar golpe com general da reserva e mais meia dúzia de oficiais. É um absurdo o que está falando. Da minha parte, nunca houve discussão de golpe. Se alguém viesse discutir golpe comigo, eu ia falar, ‘tá, tudo bem, e o day after? E o dia seguinte, como é que fica? Como é que fica o mundo perante a nós?'”, indagou o ex-presidente.

“Agora, todas as medidas possíveis dentro das quatro linhas, dentro da Constituição, eu estudei”, complementou Bolsonaro.

Este é o terceiro indiciamento de Bolsonaro neste ano pela polícia. O ex-presidente foi acusado também no caso das joias sauditas e na suposta fraude no seu cartão de vacinas contra covid-19. Sua defesa nega qualquer crime.

Confira abaixo o que as principais imputações feitas pela PF a Bolsonaro:

Disseminação de informações falsas

Uma das primeiras imputações feitas pela PF a Bolsonaro é com relação à disseminação de informações falsas sobre o funcionamento das urnas.

Segundo a PF, a prática era um dos elementos centrais da suposta estratégia do grupo para viabilizar o plano do grupo de desacreditar o resultado das eleições perdidas por Bolsonaro.

Ainda de acordo com o relatório, a reunião realizada por Bolsonaro com embaixadores de países estrangeiros em julho de 2022 foi um exemplo desta estratégia.

“Os discursos realizados pelo então Presidente Jair Bolsonaro e outros integrantes do Governo […] seguiram exatamente a metodologia desenvolvida pela milícia digital, propagando e disseminando alegações sabidamente não verídicas ou sem qualquer lastro concreto, de indícios da ocorrência de fraudes e manipulações de votos nas eleições brasileiras, decorrentes de vulnerabilidades do sistema eletrônico de votação”, diz um trecho do documento.

“Após o resultado do 2º turno das eleições presidenciais de 2022, conforme detalhadamente descrito ao longo do presente relatório, o discurso de vulnerabilidades das urnas e de que havia ocorrido fraude eleitoral continuou sendo reverberado”, complementa outro trecho.

Pressão sobre generais

Outra conduta atribuída a Bolsonaro foi a sua suposta ciência sobre uma carta cujo objetivo seria pressionar oficiais do Alto Comando das Forças Armadas a aderirem à trama golpista.

O documento intitulado “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro” teria sido elaborado para pressionar o então comandante do Exército, general Freire Gomes, a participar e a apoiar o suposto plano golpista, uma vez que ele vinha se mantendo resistente às supostas iniciativas do grupo liderado por Bolsonaro.

“As ações de pressão ao comandante do Exército, como a denominada ‘Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro’ teve ciência e autorização, para ser elaborada e posteriormente disseminada, pelo então presidente da República, Jair Bolsonaro”, diz um trecho do documento.

Segundo a PF, uma das estratégias do grupo para pressionar Freire Gomes foi o vazamento da carta por meio do blogueiro Paulo Figueiredo Filho, que também foi indiciado pela PF.

A pressão, no entanto, não surtiu efeito uma vez que, segundo a PF, Freire Gomes se manteve contrário ao suposto golpe, o que teria dissuadido Bolsonaro e seu grupo a prosseguirem com o planejamento.

Minuta golpista

A PF também diz que Bolsonaro não apenas tinha conhecimento da minuta de um decreto golpista como sugeriu alterações ao documento.

A minuta foi encontrada pela PF em 2023 e continha medidas que impedia a posse de Lula em 2023, instituía uma comissão para revisar o processo eleitoral e previa até a prisão de Alexandre de Moraes, que à época presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A minuta também estabelecia um Estado de Defesa no Brasil.

“A investigação obteve elementos de prova que corroboraram que o então presidente Jair Bolsonaro, com apoio do núcleo jurídico da organização criminosa, elaborou um Decreto que previa uma ruptura institucional, impedindo a posse do governo legitimamente eleito, estabelecendo a Decretação do Estado de Defesa no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral”, diz um trecho do documento.

“O documento, por determinação do ex-presidente da República, teve diversas versões, inclusive com a ordem de prisão do ministro Alexandre de Moraes”, diz a PF em outro ponto do relatório.

“Após ter realizado pessoalmente ajustes na minuta do decreto presidencial, Jair Bolsonaro convocou os Comandantes das Forças Militares no Palácio da Alvorada para apresentar o documento e pressionar as Forças Armadas a aderirem ao plano de abolição do Estado Democrático de Direito”, acrescenta a PF.

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