O Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu nesta quarta-feira (11) elevar a taxa Selic de 11,25% ao ano para 12,25% ao ano. Com o aumento de 1 ponto percentual na taxa básica de juros, o Banco Central passa a adotar uma dose mais forte para combater a inflação.
A decisão representa a maior alta dos juros básicos no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a maior escalada desde fevereiro de 2022, quando foi de 1,5 ponto percentual.
Veja abaixo os principais recados deixados pelo comunicado.
Cenário externo
- “O ambiente externo permanece desafiador, em função, principalmente, da conjuntura econômica nos Estados Unidos, o que suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário externo segue exigindo cautela por parte de países emergentes.”
O Copom voltou a citar as incertezas vindas dos Estados Unidos, em especial após a eleição de Donald Trump em novembro. O futuro presidente carrega uma agenda econômica conservadora e protecionista para a maior economia do mundo.
Entre as propostas de seu plano econômico, está a elevação de tarifas para produtos importados — incluindo uma guerra comercial com a China — e o corte de impostos no país, além da promessa de reduzir a inflação e do endurecimento das regras de imigração.
O potencial aumento da inflação norte-americana pode elevar os juros nos EUA, aumentando o rendimento das Treasuries, os títulos públicos americanos.
Como são considerados os produtos de investimento mais seguros do mundo, as Treasuries com rentabilidades mais altas atraem investidores estrangeiros, que encaminham seus recursos para os EUA e dão força para o dólar.
E juros mais altos nos Estados Unidos tornam os países emergentes, como o Brasil, menos atrativos — o que pode acabar afastando investidores e dólares do país. Com impacto no câmbio, fica maior a pressão na inflação por aqui.
Na decisão de novembro, o BC já alertava que um cenário pior no exterior colocava pressão sobre a inflação brasileira, que demonstrava há meses uma resistência a voltar para a meta de 3%. Em novembro, os membros do comitê haviam elevado a Selic em 0,5 ponto percentual, para 11,25% ao ano.
Balanço de riscos
- “Em função da materialização de riscos, o Comitê avalia que o cenário se mostra menos incerto e mais adverso do que na reunião anterior. Persiste, no entanto, uma assimetria altista no balanço de riscos para os cenários prospectivos para a inflação.”
O BC sempre apresenta um balanço de riscos, que são os fatores que tem levado em conta para suas decisões de juros. A surpresa foi o reforço ao fato de que foram confirmadas as pioras nas expectativas.
No comunicado, indica ainda que seguimos com mais riscos de alta que de baixa de juros, o que explica não só a aceleração do aumento das taxas, como a repetição de novos aumentos a seguir. (saiba mais abaixo)
Os riscos citados que piorariam as altas foram:
- Uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado: ou seja, analistas continuarem esperando que a dinâmica de preços persista acima da meta de inflação para os próximos anos.
- Uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais positivo: isto é, que os preços do setor de serviços, o principal da economia brasileira, continuem surpreendendo, porque os níveis de oferta e demanda estariam ficando cada vez mais próximos, causando um desequilíbrio da inflação.
- Uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada: seria o caso em que o aumento da percepção de risco na economia faria a moeda brasileira perder ainda mais força, piorando a inflação pelo reajuste de preços na cadeia de produção.
Já para as possibilidades de baixa de juros são citados:
- Uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada: que poderia ajudar os países a reduzirem seu patamar de juros, já que uma redução da atividade aliviaria a demanda por bens e produtos, reduzindo a pressão na inflação
- Os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado: que o ciclo de altas de juros que o BC já iniciou possa controlar os preços vistos no IPCA, que já estão fora da meta.
Análise do cenário nacional
- “O Comitê tem acompanhado com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos sobre o recente anúncio fiscal afetou, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes, especialmente o prêmio de risco, as expectativas de inflação e a taxa de câmbio. Avaliou-se que tais impactos contribuem para uma dinâmica inflacionária mais adversa.”
Nesse trecho, o BC faz menção à decepção com o pacote de corte de gastos proposto pelo governo, que não convenceu os investidores de que tem potencial para controlar o endividamento públicos e aumentou a sensação de risco econômico por aqui.
O resultado do pacote foi ainda mais mau humor do mercado financeiro com o Brasil e um real em franca desvalorização, chegando à casa dos R$ 6.
Dado o patamar do câmbio, a força da atividade econômica e a insegurança com a trajetória da dívida pública do país — três injeções de força na inflação —, o BC justifica a alta de um ponto dizendo que o cenário mais recente teve uma piora adicional das expectativas de inflação e uma elevação das projeções de inflação.
O BC fala também em uma “maior abertura do hiato do produto”. Esse é um termo técnico para dizer que a capacidade de produzir do país (o PIB potencial) está mais próxima da sua produção de fato (o PIB real). Deixando ainda mais simples: quando a demanda é maior que a oferta, os preços sobem.
Próximas altas
- “Diante de um cenário mais adverso para a convergência da inflação, o Comitê antevê, em se confirmando o cenário esperado, ajustes de mesma magnitude nas próximas duas reuniões. A magnitude total do ciclo de aperto monetário será ditada pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerá da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos.”
O Copom finaliza dizendo que a magnitude do aperto monetário (ciclo de alta de juros) não tem data para acabar, e dependerá dos resultados da economia.
O comitê citou ao longo do texto que a economia do país está aquecida e o emprego está em ascensão, o que cria condições para um risco inflacionário. Também disse que o cenário externo influenciou a decisão, especialmente as dúvidas sobre o ritmo da desinflação nos Estados Unidos.
Os dados serão acompanhados de perto.
Entenda abaixo como chegamos até aqui.
Como foram as últimas decisões do Copom?
Segundo especialistas consultados pelo g1, uma série de fatores explica a trajetória de alta da Selic das últimas reuniões — e as sinalizações de que ela deve seguir elevada à frente.
Entre eles:
- As incertezas sobre as contas públicas e os efeitos defasados dos gastos do governo;
- A atividade econômica forte e o mercado de trabalho aquecido;
- O cenário internacional adverso e a taxa de câmbio pressionada.
São três aspectos que trazem consigo fatores inflacionários. O mercado avalia que, enquanto o governo não demonstrar soluções para o aumento de gastos públicos e do endividamento, mais difícil será controlar a inflação. (entenda mais abaixo)
De volta ao último boletim Focus: a estimativa dos economistas para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, subiu de 4,71% para 4,84% ao final de 2024 — o que confirmaria o indicador acima do teto da meta, de 4,50%.
Entenda cada um dos pontos abaixo
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- 📉 Incertezas sobre as contas públicas
O rumo das contas públicas continua a trazer preocupações. Segundo a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, o aumento de gastos visto no último ano foi focado em transferências de recursos para as famílias, que impulsiona o consumo e traz pressão à inflação
“Ainda temos um déficit muito alto [quando as despesas superam as receitas]. E o que acabou ficando claro para os investidores é que o arcabouço fiscal pode não ser suficiente para controlar os gastos do governo”, diz a economista.
Os últimos dados divulgados pelo BC indicam que, mesmo com o superávit de R$ 36,9 bilhões em outubro, as contas públicas ainda acumulam um déficit de R$ 56,7 bilhões no ano, o equivalente a 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB). A meta estabelecida pelo arcabouço fiscal era de zerar o déficit.
Na tentativa de organizar a casa, o governo anunciou recentemente um pacote de contenção de despesas de R$ 70 bilhões para os próximos dois anos. As medidas foram anunciadas, porém, junto à proposta de isenção do Imposto de Renda para quem ganha menos que R$ 5 mil, uma renúncia de receita que piora as chances de estabilizar a dívida pública.
Vistas como insuficientes por grande parte do mercado, as medidas ainda precisam do aval do Congresso Nacional, que já sinalizou que o pacote pode enfrentar resistências.
Para o economista do ASA Leonardo Costa, o mercado ainda não conseguiu ver no pacote (na intenção do governo ou nos comunicados recentes) algum indicativo de preocupação com a dinâmica do endividamento. Só com essa métrica controlada que investidores nacionais ou estrangeiros ganhariam confiança de destinar recursos ao país — melhorando a cotação do dólar, por exemplo.=
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- 💼 Atividade econômica forte e mercado de trabalho aquecido
Assim como os repasses do governo aos programas sociais, a força da atividade econômica brasileira e do mercado de trabalho também tendem a manter o consumo das famílias em alta.
O PIB do Brasil teve aumento de 0,9% no terceiro trimestre de 2024, acumulando alta de 3,1% em quatro trimestres. A expectativa do mercado, segundo o boletim Focus, é de que a economia cresça até 3,39% neste ano.
Além disso, a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua indicou que a taxa de desemprego do país caiu para 6,2% no trimestre encerrado em outubro, na menor taxa de desocupação de toda a série histórica do indicador, iniciado em 2012.
Houve um novo recorde no número de trabalhadores ocupados, e o rendimento mensal real foi de R$ 3.255 no período, alta de 3,9% na comparação anual.
- 🪙 Cenário internacional adverso e pressão no câmbio
Fora os fatores domésticos, os economistas consultados pelo g1 também citaram questões internacionais que podem influenciar as decisões do Copom.
A vitória de Trump prevê maior protecionismo para a indústria americana, com elevação de tarifas para produtos importados, e renúncias de receitas para baixar impostos.
Com produtos importados mais caros e menos recursos entrando no caixa do governo, há um aumento das preocupações com a capacidade de o país cumprir com o pagamento da dívida norte-americana — como também acontece aqui.
Isso aumenta a exigência de investidores por um prêmio maior, ou seja, juros mais altos. Isso faz minguar a previsão de que o Fed conseguiria reduzir de forma significativa os juros americanos e mantê-los baixos por mais tempo.
Na prática, uma valorização global do dólar coloca ainda mais pressão sobre as moedas de países emergentes, como o Brasil. Com o fluxo de dólares direcionados para os EUA, a taxa de câmbio tende a piorar no Brasil, estimulando a inflação.
O que esperar para a taxa de juros em 2025?
Com uma série de riscos de alta para a inflação brasileira, a leitura do mercado é que não há nenhuma perspectiva de redução de juros no curtíssimo prazo. Entre os economistas consultados pelo g1, todos esperam novas altas de juros nas próximas reuniões do Copom.
Segundo Rafaela Vitória, além de todo o cenário de pressão inflacionária, também fica no radar uma possível aceleração de gastos em 2026, ano eleitoral.
Por outro lado, o governo aposta nas medidas de corte para ganhar a confiança do mercado de volta. Nesta terça, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, avaliou que a proposta de corte de gastos apresentada pela área econômica foi a “possível dentro de um governo democrático, com vários partidos”.
“Nosso apelo é que tente fazer o esforço nesse ano para colher em 2025 uma redução dos gastos obrigatórios. Presidente apresentou uma PEC, lei complementar, ordinária, e vai chegar aos militares. São quatro medidas”, disse.
Segue sendo insuficiente para acalmar os investidores. Como mostrou o g1 neste fim de semana, os analistas não acreditam mais em juros abaixo dos 10% no governo Lula.