
Um tratamento que custa até R$ 3 milhões por paciente pode parecer inviável à primeira vista. Mas, no caso da terapia celular CAR-T, o investimento inicial elevado pode representar economia a longo prazo e melhores chances de cura.
É o que mostra um estudo liderado pelo médico Samir Nabhan, supervisor da Unidade de Transplante de Medula Óssea, Oncologia e Hematologia do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), apresentado nesta semana no Congresso Brasileiro de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular.
Publicada no “Journal of Medical Economics”, a pesquisa analisou o impacto clínico e financeiro do uso dessa tecnologia em pacientes com linfoma difuso de grandes células B, o tipo mais comum e agressivo de linfoma não Hodgkin.
Apesar dos resultados promissores, o tratamento ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). No Brasil, ele é oferecido apenas em centros privados autorizados, e os custos são arcados por planos de saúde ou recursos particulares.
O que são as ‘linhas’ de tratamento
Na oncologia, as linhas de tratamento indicam a ordem em que os pacientes recebem as terapias conforme a doença progride.
- A primeira linha é o tratamento inicial — no caso desse linfoma, a combinação de quimioterapia e imunoterapia conhecida como R-CHOP.
- Se o câncer volta, vem a segunda linha, geralmente com quimioterapia mais intensa ou transplante autólogo de medula.
- Quando há nova recidiva, entra a terceira linha, onde se concentram as terapias mais modernas, como a CAR-T ou os anticorpos biespecíficos.
Como funciona a CAR-T
A terapia celular CAR-T é uma forma avançada de imunoterapia personalizada. As células de defesa do paciente (linfócitos T) são retiradas do sangue, modificadas geneticamente em laboratório — fora do Brasil — para reconhecer e atacar o tumor, e depois reinfundidas no corpo.
“É como se as células ganhassem um novo receptor, uma espécie de chave para encontrar e destruir as células doentes”, explica a médica Ana Rita Fonseca, coordenadora do Centro de Terapias Avançadas do Hospital Sírio-Libanês.
A tecnologia está aprovada no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratar linfomas e leucemias que não respondem a terapias anteriores. As versões disponíveis são o axi-cel (axicabtagene ciloleucel), o tisa-cel (tisagenlecleucel) e o cilta-cel (ciltacabtagene autoleucel, usado em mieloma múltiplo).
Quando o caro sai mais barato
O trabalho comparou o desempenho clínico e financeiro da CAR-T com outros tratamentos já usados no país, como o epcoritamab (anticorpo biespecífico) e as terapias convencionais de quimio e transplante.
Mesmo custando mais no início, a CAR-T mostrou melhor custo-benefício quando usada mais cedo — especialmente na segunda e terceira linha de tratamento.
Os resultados:
- Aplicar a CAR-T antes do epcoritamab gerou economia média de R$ 194 mil por paciente.
- Quando usada ainda mais cedo, na segunda linha, a economia estimada chegou a R$ 1,3 milhão.
- Além disso, menos pacientes precisaram de novas terapias, o que significa menos internações e menor gasto global.
A realidade brasileira
O estudo é o primeiro do tipo adaptado à estrutura de custos da saúde privada brasileira, que tem múltiplos pagadores e variações de preço entre estados e operadoras.
“O mesmo medicamento pode ter valores diferentes dependendo do convênio e do hospital”, explica Nabhan. “Tentamos refletir essa diversidade, porque o Brasil não tem uma única tabela de custos.”
A simulação considerou dados da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM).
Segundo o médico, o modelo também mostra que usar a CAR-T mais tarde gera um efeito cascata de despesas: cada recidiva exige internações, novas drogas e mais tempo de hospital. “É como um investimento: quanto mais cedo você aplica, maior o retorno”, resume.
Impacto clínico: mais vidas salvas
Antes da chegada da CAR-T, as taxas de cura para o linfoma difuso de grandes células B recidivado não passavam de 20%.
Com a nova terapia, os índices de cura e sobrevida sobem para 50% a 60% em dois anos, segundo o levantamento.
Desafios e próximos passos
Apesar dos avanços, o custo e a infraestrutura continuam sendo barreiras. O tratamento depende de centros altamente especializados e de uma cadeia internacional de produção, o que encarece o processo e limita o acesso.
Pesquisas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Butantan buscam desenvolver versões nacionais da tecnologia, o que poderia reduzir custos e ampliar o acesso.
“A dependência externa encarece. Produzir etapas no Brasil pode mudar isso”, afirma o oncologista Stephen Stefani, do grupo Oncoclínicas e da Americas Health Foundation.
Para Nabhan, o futuro da oncologia passa por enxergar valor além do preço:










