Neste presente artigo vamos apresentar a profissão de motorista uma atividade essencial que infelizmente ainda é pouco valorizada e pouco reconhecida no Brasil. Na oportunidade vamos mostrar um panorama geral dessa função, do seguimento rodoviário para isso contamos com a colaboração do motorista carreteiro Nei Anderson Silva Lima, “estradeiro velho de guerra” um típico “Cawboy do asfalto” que junto com tantos outros diariamente transporta o progresso do Brasil, o mesmo nos concedeu uma pequena entrevista que você pode conferir no final deste artigo.
A sociedade moderna evoluiu e devido o surgimento de novas tecnologias consequentemente novas profissões foram naturalmente criadas devido as novas necessidades que foram surgindo. Mas ainda vivemos em uma sociedade na qual existem as profissões “nobres” por assim dizer. Normalmente as pessoas desejam exercer tais profissões muitas vezes por status social e/ou por retorno financeiro, na maioria das vezes ignoram seus dons e habilidades naturais que poderíamos denominar de chamado ou propósito. Dentre as profissões ditas “nobres” podemos citar as carreiras na área de medicina, direito, engenharia e outras.
Não podemos ignorar que todas as profissões e profissionais são importantes para o bom funcionamento da sociedade como um todo, cada um usando seus talentos nas mais diversas áreas formam uma equação perfeita e o resultado é uma sociedade profissional harmoniosa. Que bom que as pessoas são diferentes e se satisfazem e se dispõem a fazer coisas que outras pessoas jamais fariam mesmo que lhe oferecessem uma razoável quantia.
Imagine um jovem falando abertamente que deseja ser motorista, certamente ele será rechaçado e ridicularizado e “cancelado” como alguém que é tolo e não tem sonhos. Pela sua notória importância podemos sem dúvidas dizer que o trabalho de motorista é uma das profissões mais nobres ainda existentes na sociedade moderna. Mas por ser uma tarefa que não exige diploma e/ou formação superior, a mesma é lamentavelmente colocada de lado como algo secundário e de pouca importância e porque não dizer sem valor.
Hoje quero dar um destaque para o admirável ofício de motorista, seja do transporte de cargas ou transportes de passageiros que incluem motoristas de ônibus, taxistas, motoristas de aplicativos e outros. O que seria da de nós sem os motoristas.
A seguir veremos alguns números do seguimento de transporte rodoviário no Brasil. No seguimento de passageiros segundo o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em 2019 o percentual de usuários de ônibus chegava à 65% da população brasileira tal percentagem chega a um número de pouco mais de 140 milhões de usuários regulares. Essa multidão de usuários faz uso de uma frota de quase 400 mil ônibus. A demanda neste seguimento de transportes caiu muito nos últimos anos devido a vários fatores, muitas cidades investiram em ciclofaixas e ciclovias incentivando o uso de bicicletas, outros sistemas como metroviários e ferroviários foram implantados e houve ainda a migração para serviços de aplicativos, moto-taxi e taxi que somam um número de cerca de 5 milhões de motoristas cadastrados nesses serviços. A queda também se deu pelo aumento do poder aquisitivo das famílias que acabaram por adquirir carro próprio.
No seguimento de cargas a influência do transporte rodoviário é gigantesca segundo dados da Empresa de Planejamento Logístico (EPL), estatal ligada ao Ministério da Infraestrutura o modal rodoviário é o mais utilizado no transporte de cargas chegando a transportar 60% das cargas no Brasil o montante transportado é estratosférico chegando a quase 1 trilhão de toneladas anuais, circulando pelos 1,8 milhões de quilômetros de rodovias. Circulam pelas estradas e ruas diariamente uma frota de 2 milhões de caminhões e mais 7 milhões de veículos de cargas de pequeno porte como furgões e pick-up, (números de 2018).
A importância do transporte rodoviário e do motorista foi sentida na prática quando no início de 2017 os caminhoneiros entraram em greve e houve um grande desabastecimento das mais diversas mercadorias Brasil a fora elevando os preços devido à escassez. Um grande caos se instalou no país pela falta da mão de obra desses profissionais tão essenciais a nossa vida cotidiana. Quem não lembra das prateleiras dos supermercados vazias, filas nos postos de combustíveis, correria para comparar água mineral e gás de cozinha e tudo com valores muito acima da normalidade. Esse episódio catastrófico serviu para que a população fizesse uma análise necessidade e da importância que tem o motorista.
Quem mora nos grandes centros também possivelmente já deve ter passado por greves de ônibus e viu como é complexo se movimentar nas cidades sem eles, seja para fins de trabalho, escola, faculdades e porque não dizer lazer. Pena que muitos acham que o fato de pagar a passagem dar direito a falar asperamente e desrespeitar esses profissionais, muitos entram e saem dos ônibus sem se quer dar um bom dia ou um muito obrigado.
Logo abaixo vamos conversar um pouco com Nei Lima, que atualmente exerce a função de motorista carreteiro transportando combustíveis em diversos roteiros entre a Bahia, Minas Gerais, Goiás e São Paulo com experiência de 25 anos de profissão em diversos seguimentos do setor de transportes.
SDCEV: Como você iniciou a sua carreira profissional? Você já exerceu outras funções ou sempre foi motorista?
Nei Lima: Comecei minha vida profissional aos 16 anos como ajudante de mecânico de ar condicionado, fui promovido a mecânico diesel e posteriormente motorista de veículos leves, categoria B, isso aos 18 anos. Eu já nasci com o dom para ser motorista, nas minhas veias correm “óleo diesel”.
SDCEV: Quantos anos você tem de profissão e como foi sua trajetória como motorista?
Nei Lima: Tenho aproximadamente 25 anos de trabalho como motorista. Além de trabalhar como motorista de veículos leves categoria B, fui manobrista, motorista de caminhão em uma empresa de bebidas, motorista de ônibus urbano e intermunicipal e depois carreteiro (motorista de veículos pesados, categoria E).
SDCEV: Percebemos que a maioria dos motoristas gostam da função que exercem, isso ocorre com você?
Nei Lima: Sim. Trabalho mais por amor do que pelo salário, pois o mesmo é pouco diante dos riscos envolvidos. Corremos muitos riscos de acidentes nas estradas.
SDCEV: Você trabalhou no transporte de passageiros urbano e intermunicipal como foi essa experiência?
Nei Lima: Trabalhei 09 anos no coletivo de Salvador e no intermunicipal na Bahia, fui para lá por curiosidade, mas tive alguns problemas, lidar com passageiros é muito difícil e eu preferir voltar para o transporte de cargas.
SDCEV: Por que você resolveu trabalhar novamente no seguimento de cargas após 09 anos trabalhando como passageiros?
Nei Lima: O transporte de cargas é menos trabalhoso, você só carrega e leva a carga e não exige tanto do motorista como no trabalho com passageiros que é cansativo é estressante e no caminhão você fica sozinho é mais tranquilo e neste período mudei para categoria E, que é para dirigir carretas e neste setor os ganhos são melhores e eu queria ter o prazer de dirigir um veículo de grande porte. O ruim é que ficamos muito tempo fora de casa com pouco tempo para a família porque é imprevisível as viagens surgem e o motorista tem que fazer mesmo sem ter se programado.
SDCEV: Você indicaria a profissão de motorista a alguém que está iniciando sua vida profissional?
Nei Lima: Indicaria se esse for o dom da pessoa, mas não indicaria pelo valor do salário é um pouco desvalorizado, mas se a pessoa tiver seu próprio caminhão vale a pena.
SDCEV: Quais as situações de riscos que você já presenciou?
Nei Lima: Já vi muitos motoristas principalmente jovens com pouca experiência dirigindo carretas de forma imprudente, desobedecendo velocidade para pegar outra carga porque algumas empresas pagam por comissão, motoristas dirigindo drogados para trabalhar a noite e dar mais viagens. Isso acontece muito nos períodos de safra da soja, milho, feijão principalmente com carretas graneleiras, (carretas que levam grãos a granel, sem embalagem).
SDCEV: Você já sofreu discriminação por ser motorista?
Nei Lima: Sim. Muitas vezes tanto dentro das empresas que as vezes tratam com indiferença o motorista, principalmente quando vamos fazer entregas em empresas grandes muitos destratam os motoristas. No setor de passageiros é pior os passageiros não respeitam o motorista, xingam e destratam de uma forma geral ao ponto de muitos motoristas largar a profissão, eu mesmo pensei muitas vezes em deixar.
SDCEV: Como é a vida na estrada? Existe amizades e solidariedade entre os colegas de profissão?
Nei Lima: Muitos caminhoneiros moram no caminhão praticamente, dormem na cabine e fazem sua própria comida na estrada para economizar se pagar pousada e restaurante o dinheiro não dá. Já fiz muitas amizades na estrada de pessoas de vários Estados, os colegas normalmente dão indicação de vagas, fretes, e se ajudam de uma forma geral, conhecei muita gente boa. Quando o caminhão quebra normalmente os colegas se ajudam, a união é maior entre os colegas do mesmo seguimento, quem é tanque ajuda tanque (transportes de carga líquida), quem é graneleiro ajuda graneleiro (transportes de grãos), cegonheiro ajuda cegonheiro (transportes de veículos). Eu não tenho isso, se eu ver um carro quebrado paro para tentar ajudar. Mas existe também rivalidades, muitas brigas por espaços nas estradas, ultrapassagem forçadas e perigosas para dar horário e muitos ficam com raiva se outro caminhoneiro obedece o limite de velocidade atrapalhado aquele que quer ir mais rápido.
SDCEV: Você já sofreu alguma acidente e/ou assalto?
Nei Lima: Graças a Deus nunca sofri nenhuma acidente e assalto só no período que eu trabalhei dirigindo ônibus.
SDCEV: Como estão as condições das estradas por onde você tem passado?
Nei Lima: Tem muitas estradas ruins, boa parte dos locais que eu passo estão com muitos buracos e atrasa muito as viagens tornando o trabalho mais cansativo.
SDCEV: Você é feliz com o que faz? Tem algum sonho ainda a ser realizado na sua profissão?
Nei Lima: Sou feliz com o que faço e meu sonho é ter um caminhão próprio e começar uma empresa, porque assim terei um retorno financeiro melhor e mais liberdade para trabalhar sem estar preso a uma empresa batendo ponto.
O SDCEV Agradece o motorista Nei Anderson Silva Lima que nos fez conhecer um pouco do dia a dia dos motoristas e do sistema de transportes, seguimento tão importante para a nossa economia e que tem um impacto direto na vida das pessoas, o mesmo gentilmente nos concedeu a entrevista por telefone e autorizou a postagem das informações bem como de sua foto ao lado de seu instrumento de trabalho a carreta. A entrevista foi realizada em 06/10/2020.
Por Reinaldo Valverde Pereira, o professor Valverde é Licenciado em História e Bacharel em Teologia, atua na rede estadual de educação da Bahia e Sergipe.
ADENDO
Este presente editor é também ex-cobrador de ônibus e foi parceiro de Nei Lima por quase 02 anos na Empresa de Transportes Santana e São Paulo cortando as estradas da Bahia conduzindo passageiros de domingo a domingo, a amizade permanece até os dias atuais, mais de uma década após se conhecerem e trabalharem juntos. Lima & Valverde foi uma das duplas mais notórias e que fez história e conquistou o respeito de todos na empresa entre os anos de 2008 e 2010.
Parabéns Nei tenha orgulho de sua profissão ela é tão importante como ser médico ser juiz ser advogado a humanidade precisa de todos esses profissionais Deus te abençoe e continue fazendo seu trabalho com amor tenha orgulho de dizer sou Motorista